“A água e a águia” e outros livros para alçar voo

04/12/2019

 

O biólogo e escritor moçambicano Mia Couto tem gosto por poetizar a natureza em prosa. Seja em A menina sem palavra (livro incluído no PNLD 2020), em que o autor traz um acabamento delicado e sensível ao cotidiano de Moçambique, seja no seu livro de estreia para crianças, O gato e o escuro, que conta a vontade de um gato em descobrir o mundo, esse jogo entre o físico e o subjetivo está posto. Em seu mais novo lançamento, A água e a águia, não seria diferente. Talvez com mais intensidade do que nos títulos anteriores, a construção narrativa brinca com a relação intrínseca das palavras com a natureza.

 

 

A história retoma um período, antes da existência humana, em que águias comandavam os céus. O tempo era controlado pelo bater das asas, não havia ponteiros. Um único rio molhava as margens do mundo, o equilíbrio prevalecia. Até que um dia, a chuva cessou. As nuvens passeavam rechonchudas, mas nenhuma gota d’água caía delas. O rio já não mais servia de espelho para as águias, os bichos e as árvores adoeceram. Até que, enfim, uma águia anciã decide usar da palavra, de seu próprio nome, para fazer água. O livro mostra esse contato da palavra, da poesia, com a natureza: compartilham do mesmo radical, sentimento.

As ilustrações da canadense Danuta Wojciechowska potencializam a narrativa. Em uma paleta bastante contrastante, com tons terrosos e azuis, a designer ora reitera o aspecto de seca, ora destaca a abundância de água. O traço é fluido, sem muitas definições. Assim como o período retratado em que não existe a definição de um conjunto de regras para boa convivência, apenas um ambiente naturalmente harmônico. Para continuar as viagens aéreas pela palavra e pela natureza, separamos mais quatro livros para os leitores alçarem voos. Às vezes, a altura pode dar medo, mas a vista é ótima! Confira a seguir a nossa seleção.

 

Cantigas por uma passarinho à toa

 

 

O poeta do ínfimo, Manoel de Barros, também conta e canta histórias para crianças. Neste livro, ele traz a experiência do contato com a natureza. O escritor mato-grossense fica sempre bastante confortável no território do brincar e, assim, transforma em verso acontecimentos típicos desse lugar tão familiar para as crianças. Árvores falam, ventos cantam, cigarras fazem algazarra, uma garça serve de morada para um menino e uma rã sonha em ser passarinho. O seu modo de enxergar o mundo, as pequenas belezas, trouxe a infância não como fase de vida, mas sim como uma experiência de vida e, por consequência, matéria literária.

 

A conferência dos pássaros

 

 

O autor e ilustrador tcheco Peter Sís reconta a obra A conferência dos pássaros, da tradição oriental, difundida no século XII pelo místico persa Farid Ud-din Attar. A narrativa se inicia quando o poeta Attar acorda de um sonho inquietante transformado em poupa, um pássaro. E, então, decide reunir outros pássaros para, juntos, procurarem um suposto rei, Simorgh, que teria a resposta para todos os problemas. Juntar todas as aves do mundo em torno desse objetivo comum não foi tarefa fácil. Depois de convencido o bando, ainda teriam que atravessar sete vales até chegar ao rei: da Procura, do Amor, da Compreensão, do Desapego, da Unidade, do Deslumbramento e da Morte. Nessa viagem, as ilustrações dão unidade à história e indicam bem a passagem de tempo. A jornada precisa ser vivida pelo leitor, toca em questões sensíveis para pessoas de todas as idades, como o próprio sentido da vida. “Com o tempo suspenso, não há princípio nem fim, apenas voos infinitos.”

 

Queria ser alta como um tuiuiú

 

 

Olhar o mundo de cima pode dar a falsa impressão de uma realidade tranquila. Bom, pelo menos, foi isso que perceberam as capivaras deste livro, escrito e ilustrado pela francesa Florence Breton. Antes, cavam chateadas ao notar que ninguém via graça nelas e ainda tinham que aguentar o peso tão irritante de uma cabeça e sentar num bumbum gigante. Assim, juntaram-se para se transformar em pássaros. Uma se equilibra em perna de pau para ser alta como um tuiuiú, outras ajeitam galhos no nariz para parecerem colhereiros. Até que, pouco a pouco, presenciam cenas, como o assassinato de um peixinho por um martim-pescador e o ataque de um casal de tucanos a um ninho, que as fazem repensar a ideia de ser ave. Quando se voa, a distância do chão coloca os problemas em perspectiva, mas vendo de perto ser capivara, afinal, é o melhor de tudo. O livro ainda conta com um anexo sobre os pássaros do Pantanal.

 

O voo do golfinho

 

 

Quem disse que para voar precisa nascer com asas? Neste livro, o escritor angolano Ondjaki escreve sobre um golfinho que desde pequeno chamou a atenção dos amigos por ser diferente. Tinha um bico de passarinho que combinava com o seu gosto pelos saltos. O protagonista dessa história descobre uma nova parte de si, que não parecia com a dos demais, podia e adorava voar. Nas brincadeiras pelas nuvens conhece outros pássaros que, assim como ele, não nasceram pássaros. Canguru, camaleão, gato, tinha de tudo. Todos, quando perceberam que seus sonhos eram grandes demais para não voarem, quiseram ser pássaros e deixar de vez o chão (ou o mar). Era preciso ocupar o céu. Bando de bichos que em outros corpos encontrou a liberdade.

 

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