Autonomia leitora em sala de aula: será que livros têm idade?

16/12/2020
Livro tem idade? Uma obra indicada para crianças a partir de seis anos, por exemplo, não pode ser lida para quem tem três ou quatro anos? E uma obra para bebês? Deixa de encantar o pequeno quando cresce um pouco? Será?

Que livros oferecer para os alunos? Imagem: O livro de Lívio, de Hefrna Bragadottir

Em geral, a gente organiza as bibliotecas das crianças por faixa etária. Mas será que só esse critério dá conta? "A referência de faixa etária pode ser pouco conclusiva se pensamos que não existe uma única infância nem faixas etárias estanques. Existe muitas (infinitas) experiências de infância, e cada uma delas traz uma relação diferente com a leitura", nos lembra Mell Brites, editora dos livros infantis da Companhia das Letrinhas. "Uma criança de, por exemplo, 5 anos de idade, pode estar começando a conhecer as letras ou pode estar já totalmente alfabetizada, e são muitos os fatores que contribuem para um ou outro caso", conclui ela.

Autonomia leitora

Segundo Mell, o conceito de autonomia leitora pode dar conta melhor da diversidade de experiências que as crianças têm com os livros, e que nem sempre estão mediadas pela idade. Renata Nakano, uma das fundadoras do Quindim, clube de assinaturas de livros infantojuvenis, explica que essa definição apenas por faixa etária está geralmente ligada à uma única competência, que a leitura da palavra escrita. Mas autonomia leitora é muito mais do que isso: ler é mais do que decodificar o alfabeto, é decodificar o mundo. E nesse sentido, a leitura compartilhada ganha um protagonismo importantíssimo na formação leitora, que extrapola a leitura solitária, em especial na primeira infância". Se o livro vai ser mediado por um adulto em sala de aula, por exemplo, o fato de as crianças não saberem ler deixa de ser um problema ou um critério de escolha, por exemplo.

Algumas faixas de autonomia

No Quindim, embora eles adotem também um critério por idade associado à competência leitora, Renata conta que eles pensam o leitor a partir das experiências leitoras como:

O pré-leitor

Leitura compartilhada ou mediada com um adulto. Aqui, encaixam-se especialmente os bebês até 3 anos.

O leitor iniciante

Leitura compartilhada com um adulto e início de autonomia leitora. Nessa fase, eles podem começar a se interessar pelas letras e gostam de folhear os livros sozinho, recitando de cor a história ou até criando novas interpretações para as narrativas visuais. Se pensarmos em faixa etária, provavelmente este leitor terá entre 3 e 5 anos.

O leitor em processo

Livros  para quem tem já começa a decodificar o alfabeto de maneira autônoma, desenvolvendo uma fluência linguística inicial e um vocabulário mais recorrente. Crianças entre 6 e 8 anos costumam estar nessa fase.

O leitor fluente e o leitor crítico

Livros para quem tem autonomia leitora, com fôlego para textos mais densos e longos. Em geral, crianças e pré-adolescentes com 9 anos ou mais podem se enquadrar por aqui.

"A bibliodiversidade importa mais"

"Porém, quando falamos em seleção para um grupo de crianças, como uma sala de aula ou um projeto como o Clube de Leitura Quindim, há um ponto importantíssimo a se considerar pouco abordado além do direcionamento pela autonomia leitora: a bibliodiversidade", explica Renata Nakano. E ela continua: "Mais importante do que escolher um livro para uma determinada faixa etária, com crianças de diferentes famílias e construções de mundo, podemos oferecer uma biblioteca diversificada de obras que apresentem muitas camadas e possibilidades de leituras, abraçando inclusive um mesmo livro diferentes perfis de leitores, com temas e gêneros diversos, linguagens com diferentes estruturas, autores de origens distintas, para que a criança experimente mundos que ultrapassem a barreira do conhecido, do "gosto" e "não gosto", ampliando seu repertório de leitura e de mundo". Confira abaixo os principais trechos de uma conversa com a especialista:

Qual o melhor critério para escolher livros para crianças?

O melhor critério é conhecer a fundo a criança, suas competências linguísticas, experiência de mundo, vivências e interesses atuais. Generalizar a criança por gênero ou faixa etária é como generalizar o adulto: existe livro perfeito para um adulto de 38 anos, do gênero masculino? Colocada assim, compreendemos como essa pergunta é absurda. Porém, conhecer a criança a fundo para uma seleção específica para ela nem sempre é possível, em especial quando se fala em seleção para um grupo de crianças, como em uma sala de aula ou um clube de leitura. Além disso, nosso mundo categoriza a criança por faixa etária e ciclos de ensino. Assim, quando uma família chega à livraria, por exemplo, a primeira informação que passam é: preciso de um livro para uma "menina de 5 anos". O que há por trás dessa pergunta é a associação exclusiva da leitura com a alfabetização e com repertório linguístico. Porém, como sempre enfatizamos no Clube Quindim, ler é mais do que decodificar o alfabeto, é decodificar o mundo. E nesse sentido a leitura compartilhada ganha um protagonismo importantíssimo na formação leitora que extrapola a leitura solitária, em especial na primeira infância.

Como perceber a autonomia leitora do meu filho, do meu aluno? O que observar?

O conjunto é bastante amplo, mas podemos resumir alguns pontos importantes: vocabulário, fluência na leitura de textos e imagens com estruturas mais ou menos complexas, repertório de mundo - que se relaciona a compreensão de figuras de linguagens e a capacidade de abstrações de maneira geral.

Alguma dica para um/a educador/a em sala de aula respeitar a autonomia leitorada turma em sua escolha de obras e acervo, considerando que, embora tenham a mesma faixa etária, as crianças podem ter autonomias diferentes?

Um bom caminho é buscar obras literárias, e não ficções banais. Quando falo de literatura, falo de textos (e imagens) que possuem espaços e aberturas para os leitores se colocarem. Esses espaços permitirão que leitores com diferentes experiências e vivências se coloquem. Por isso há tantos adultos apaixonados por literatura infantil: porque a literatura infantil de qualidade muitas vezes sensibiliza em suas diferentes camadas o adulto.
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