O que podemos esperar do ano que vem? Que motivos nós temos para esperar tempos melhores? O que a pandemia trouxe que pode nos ajudar a manter ou a resgatar a esperança para 2021?
Difícil de responder, né? Afinal, dos doze meses de 2020, nós passamos os últimos dez vivendo uma pandemia que alterou a vida de jeitos que não daria nem para imaginar um ano atrás. Muito já se falou sobre o tanto que este ano pareceu uma obra de ficção, e talvez nunca na história recente tenhamos precisado tanto da ficção para conseguir suportar os dias.
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Ilustração de Talita Nozomi para o projeto "Cores da Quarentena"
Não vamos nos esquecer de 2020 e vamos continuar falando dele por muito tempo ainda. Mas e 2021? Faltam treze dias para o ano novo, e aquela energia de encerramento e festas está parecendo um pouco deslocada.
Apesar da aparente dificuldade da pergunta, alguns nomes de referência de áreas importantes, como Daniel Becker e Edson Kayapó, compartilharam com o Blog algumas boas razões para ter esperança em 2021.
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Ilustração de Lole para o projeto "Cores da Quarentena"
“Que desafio tremendo falar em esperança num ano tão difícil! Do conforto da minha casa, penso nos que estão em situação vulnerável, em um leito de hospital ou na luta por trabalho. Nos que se dedicam aos serviços essenciais e naqueles que perderam alguém próximo. E concluo minha reflexão acreditando que é justamente nessa hora que precisamos ter esperança, porque ao desistirmos dela renunciamos a lutas importantes que só podem ser travadas com teimosia na crença em nossa capacidade de mudar coisas que estão cristalizadas na sociedade. Sem esperança não há conquistas.
Minha esperança está em um autor nascido e criado na favela, que em 2020 ganhou um prêmio de destaque pelo maravilhoso livro que escreveu. Na mobilização antirracista que começa a ganhar corpo no país. Na vacina que poderá nos devolver a liberdade que tínhamos (e nem sempre valorizávamos) de transitar por aí. Na abreviação de algumas distâncias que paradoxalmente se encurtaram depois que tivemos que nos isolar. Nos que generosamente nos presentearam com suas ideias para adiar o fim do mundo. Nas Gretas, Malalas e em muitas outras vozes menos conhecidas, mas que nos fazem pensar na importância de lutar por uma causa.
Tomando emprestadas as palavras de Paulo Freire: ‘Não sou esperançoso por pura teimosia, mas por imperativo existencial e histórico. Não quero dizer, porém, que atribuo à minha esperança o poder de transformar a realidade e, assim convencido, parto para o embate sem levar em consideração os dados concretos, afirmando que minha esperança basta. Minha esperança é necessária, mas não é suficiente. Ela só, não ganha a luta, mas sem ela a luta fraqueja e titubeia’.”
Ana Paula Tavares, editora da Pequena Zahar
Ilustração de Lolo para o projeto "Cores da Quarentena"
"A pandemia trouxe uma consciência maior de algumas questões que talvez possam fazer diferença para o futuro. Na área da saúde, é possível imaginar que as pessoas tenham entendido melhor a importância de se manter saudáveis, já que as comorbidades, que formam os grupos de risco para a pandemia, são as mesmas doenças crônicas que têm matado 80% da humanidade e que são totalmente ligadas a escolhas, consumo e a condições ambientais, alimentares e socioeconômicas. São a obesidade, o consumo de ultraprocessados - em especial pela publicidade que gera má informação nutricional -, o diabetes que vem daí também, a hipertensão, as cardiopatias que vêm do estresse, as pneumopatias que em grande parte vêm da poluição e do tabagismo. As desigualdades também são fortes determinantes dessas doenças.
Enfim, eu tenho esperança em uma consciência maior tanto do ponto de vista individual, com mudanças de escolhas, quanto no das políticas públicas. Precisamos de melhores políticas públicas, para facilitar o acesso à comida saudável, para reduzir agrotóxicos, para facilitar o exercício físico para as pessoas, para melhorar o transporte público e muito mais.
Outro motivo que me dá esperança é o fato de que as pessoas passaram a ter mais consciência da importância da natureza e do ar livre para suas vidas. Nós estamos muito confinados, e acho que isso pode ajudar no sentido de fazer as pessoas procurarem mais a natureza, os parques, as praias e o exercício físico, tão importantes para a saúde e o bem-estar, especialmente para a infância.
Então, se de um lado você tem uma alimentação mais saudável e mais baseada em vegetais e menos em comida de origem animal, uma vida mais movimentada e ao ar livre (e, portanto, com menos vício em telas) e, do outro, políticas públicas para diminuir a desigualdade e melhorar a saúde dos mais pobres, o conjunto dessas medidas pode também melhorar a nossa relação com o meio ambiente e mitigar as perspectivas de um colapso climático. Essa é outra questão fundamental: precisamos proteger o meio ambiente e a natureza, e isso é urgente.
Nesse sentido, eu acho que a pandemia trouxe oportunidades pra gente, não só motivos de tristeza. É claro que houve muitas tristezas e perdas em todos os sentidos, mas algumas oportunidades de repensar. Se a gente vai aproveitar ou não, isso fica para o futuro nos contar. Mas eu espero que sim.”
Daniel Becker, pediatra
Ilustração de Pri Ferrari para o projeto "Cores da Quarentena"
"2020 facilitou a tarefa de ter aquela esperançazinha boa que nos assalta quando o ano caminha pro final. Emicida deu a letra: ‘Talvez seja bom partir do final / Afinal, é um ano todo só de sexta feira treze’. Na letra, puxou a palavra de Ailton Krenak, que foi talvez quem melhor apontou a levada ideal pra 2021. Ter como aspiração voltar à vida de antes da pandemia, com seu ritmo convulso, seu gosto pelo desequilíbrio e sua régua mesquinha de horizontes, diz Krenak, ‘seria como se converter ao negacionismo, aceitar que a Terra é plana e que devemos seguir nos devorando.’ E nos matando.
Sim, pois não há surpresa alguma no fato de que a pandemia tenha precipitado uma vigorosa inflexão no debate sobre antirracismo no Brasil e no mundo: o tipo de pensamento que produziu a escravidão e o genocídio como caminho para o “progresso” é o mesmo que enxerga a natureza – e nela inclui o corpo feminino – como mero “recurso natural”, sempre à disposição.
Em 2020, tudo isso ebuliu, alcançou um ponto de não retorno, que nos mostrou que o navio da humanidade transporta a tudo e a todos. Sem porões e sem nada nem ninguém mais lançado – ou lançando-se - ao mar. Essa deve ser a cena. Se o vislumbre dela não for pungente o bastante pra alimentar nossa esperança no futuro, nada mais será.”
Fernando Baldraia, editor de diversidade da Companhia das Letras
Ilustração de Vanina Starkoff para o projeto "Cores da Quarentena"
"Um dos aprendizados que a pandemia nos trouxe é perceber o quanto nos faz falta o contato diário com a natureza, e o quanto o confinamento é insalubre. Desejo que todas as crianças tenham o seu direito de contato e acesso à natureza diário honrado, para que cresçam felizes, saudáveis e dispostas a seguir em frente, por sentir que o seu futuro rico em natureza tem sido um esforço de todos nós."
Laís Fleury, coordenadora do programa Criança e Natureza, do Instituto Alana
Ilustração de Laurabeatriz para o projeto "Cores da Quarentena"
"O ano de 2020 foi de grande aprendizado. A natureza, que a todo tempo ensina com uma pedagogia simples - com o canto do japiim, o vôo do beija-flor e a lição da aranha, que tece sua teia no mais estiloso modelo arquitetônico -, está pedindo paz.
Mas, ao se defender das hostilidades humanas, ela responde de acordo com sua força e grandeza, cabendo a nós recuar e repensar nossos modos de vida. Das lições, temos reaprendido a importância da solidariedade, da vida coletiva e da valorização da vida como um todo.
Resgatamos a coragem de dizer ‘eu te amo’, palavras que estavam esquecidas no sótão da vaidade humana. Em 2021, será o tempo do grande mutirão, quando construiremos juntos tudo o que foi devastado em nome do progresso. E a vida voltará a ser leve e calma.”
Edson Kayapó, escritor, ambientalista e professor
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