Literatura para pensar o mundo

11/05/2021

Por Inês De Biase

Assim que a pandemia começou, li uma frase do escritor José Eduardo Agualusa, em sua coluna semanal em um jornal carioca, que dizia: “Ler é a melhor maneira de contrariar o isolamento. Leitores não são ilhas. São universos em expansão”.

Tenho uma profunda crença no poder que a Literatura tem de criar pontes e abrir espaços de reflexão e crítica.

Acredito na Literatura como formação. Ao ler, refletir e conversar sobre o que lemos, nos formamos como pessoas. A obra literária é manifestação artística e cultural que pode abrir espaços de reflexão e de imaginação. Os livros nos ajudam a pensar o mundo

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Um menino vê da sua janela a vida efervescente da favela onde mora

Ilustração de Vanina Stakoff para o livro Da minha janela, de Otávio Júnior

Nestes tempos de pandemia, a Literatura nos ajuda a respirar. 

Nós, adultos, lemos por muitos motivos: para viajar, para nos divertir, nos encantar, lemos para fantasiar e criar, lemos para formar, transformar, para sermos críticos, lemos para saber, aprender, compreender, lemos porque há falta, para buscar transcendência, beleza, para nos reconhecermos como humanos e para aprendermos a sermos humanos…

As crianças também leem por todos estes motivos. Lendo, experimentam o mundo, experimentam a empatia e se tornam leitores mais críticos, compreensivos, menos preconceituosos. Leitores de livros e de mundo.

A leitura literária, diferente de outras leituras que fazemos cotidianamente, permite um mergulho, um aprofundamento em questões que nos encantam e, também, que nos assombram.

As crianças, com toda a sua potência e curiosidade, produzem cultura, ao refletirem sobre o mundo que as cerca e agirem sobre ele, podendo trazer rupturas e transformações se dermos espaço para elas. 

Elas também refletem sobre a vida de um jeito todo particular, com um olhar fresco sobre as coisas, sempre “ao ponto do poema”, como dizia Manoel de Barros. Como ainda são seres humanos novos no mundo, muito desconhecem, mas estão abertas para conhecer.

Os momentos de leitura de adultos, pais e professores, com as crianças, podem ser de tranquilidade em meio ao caos que temos vivido. E de troca, onde adulto e criança, juntos, recriam o que leem. Estes momentos de partilha criam brechas para que possamos refletir e conversar sobre o que está acontecendo.

Mas como as escolas e bibliotecas escolares podem fazer os livros e a Literatura chegarem à comunidade escolar, transformando-a em uma grande comunidade leitora?

O maior desafio atual, e durante o ano que passou, é exatamente fazer isto acontecer. Infelizmente, a maioria das escolas do Brasil não pôde fazer a Literatura chegar às casas de alunos e alunas e aos professores e professoras. 

 

Possibilidades para uma biblioteca escolar virtual

 

Sem a possibilidade de emprestar livros e de ter encontros cotidianos com crianças, adolescentes e jovens, uma saída para as escolas que adotaram o on-line, é contar e ler histórias virtualmente.

Para as escolas que têm encontros síncronos, fazer leituras de livros como o Da minha janela, de Otávio Júnior, pode abrir espaço para as crianças poderem conversar sobre medos e inseguranças para enfrentar a dura realidade. E para terem momentos de fruição e espaços de abertura para olhar o mundo lá fora e conhecer mais sobre ele, se aproximando de outras realidades e culturas, com mais empatia e leveza.

Capa do livro "Da minha janela", de Otávio Júnior

Uma criança conta, com olhar poético,
a vida se desenrola na sua favela. Leia +

Também é fundamental concentrar os esforços na pesquisa do que é disponibilizado nas redes, como leituras, contações de histórias, eventos e lives ligados à Literatura. 

Divulgar ações como a Jornada pedagógica da Companhia e Escola Antirracista, que tanto dialoga com a prática cotidiana fundamental de ir para além do cânone tradicional de leitura e de trabalhar com uma literatura mais plural, devem fazer parte do cotidiano durante a pandemia. 

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É fundamental a biblioteca escolar se firmar como espaço de pesquisa, de formação e de produção de conteúdos.

Uma ideia interessante é a criação de um espaço virtual para as bibliotecas, com dicas de leitura e de programação cultural digital, assim como a realização de encontros de formação para pais, professores e funcionários. 

Além disso, fazer pesquisas para alimentar o trabalho de sala de aula e gravar vídeos e áudios de contação de histórias de tradição oral são práticas ricas e fundamentais para estes tempos.

Para os alunos mais velhos, há ainda a possibilidade de gravar podcasts, vídeos com oficinas e vídeos sobre livros, autores e autoras, e "distribuir poesia" virtualmente, para divulgar poetas e poemas, entre outras ações.

É muito rico ainda, para as escolas que puderem, receber virtualmente autores e outros convidados em meets e lives.

Acredito em uma Biblioteca viva e bibliodiversa, com acervo plural e democrático, para a formação de leitores mais críticos, abertos e reflexivos. Biblioteca que é espaço de trocas e de cultura, onde diferentes linguagens estão presentes.

Buscar um caminho híbrido se faz necessário, pois só assim, costurando práticas virtuais à prática cotidiana de antes da pandemia, o trabalho com a Literatura pode chegar mais longe, criando pontes entre leitores e tornando o mundo mais tolerável.

 

Inês De Biase é pedagoga formada pela PUC-Rio, especialista em leitura, idealizadora e professora da oficina literária O Curso das Histórias para crianças de Fundamental 1, coordenadora dos Projetos de Leitura da Escola Parque, no Rio de Janeiro. Coordenadora da escrita do caderno de referência Bibliotecas Infantis - Um Programa para Pequenos Leitores, das Bibliotecas Parque Estaduais do Rio de Janeiro.

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