A centralidade da literatura no retorno das aulas presenciais

20/07/2021

Quais as premissas fundamentais ao definir o currículo de leitura nas escolas? No retorno às salas de aula, como pensar na formação de leitores depois de quase dois anos de ensino híbrido ou à distância e de toda a heterogeneidade de experiências vividas nesse período? Que condições são indispensáveis para que o que está escrito, previsto no currículo, se dê, efetivamente, na prática? Qual a importância de adequar a escuta, os diários e as conversas apreciativas para planejar leituras e experiências de linguagem compartilhadas?  E como, afinal, a leitura e a literatura podem nos ajudar nesse momento?

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Com respostas ainda em construção, já que muitas devem se consolidar na vivência do ambiente escolar após o longo período de distanciamento social por causa da pandemia, essas foram algumas das questões levantadas no primeiro dia da edição 2021 da Jornada Pedagógica Companhia na Educação – Escolas e a formação do leitor. 

Organizada pelo Departamento de Educação do Grupo Companhia das Letras em parceria com o Instituto Avisa lá, o tema da jornada deste ano é A formação de leitores na escola  reflexões sobre o currículo de leitura. Debates e conversas reúnem pesquisadores, editores, autores e pensadores em encontros voltados a educadores, bibliotecários e profissionais da educação ao longo de cinco dias de formação gratuita.

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A centralidade da leitura na escola

Mestres em Educação pela Unicamp e formadoras do Instituto Avisa lá, a psicóloga Ana Carolina Carvalho e a pedagoga Renata Frauendorf trataram, na cena inaugural da jornada, das várias dimensões que precisam ser consideradas no currículo de leitura e na formação do leitor literário. “A leitura não é tarefa apenas do professor de língua portuguesa, do professor da sala de leitura ou do bibliotecário. Pela centralidade que têm, deve ser pensada como algo que perpassa e, por isso, precisa envolver todas as áreas da escola”, disse Ana Carolina.

Outro ponto importante, segundo a pesquisadora, é que o leitor de hoje não lê apenas no papel ou no livro, especialmente depois da vivência do longo período de distanciamento social. O leitor contemporâneo é, ao mesmo tempo, leitor, espectador e internauta.  “É preciso lembrar disso quando se pensa na formação do leitor e promover esse diálogo, porque o estudante, sobretudo o jovem leitor, está inserido na prática da leitura digital. Como educador, deve-se estar atento às práticas sociais que envolvem esse leitor contemporâneo e pensar como ele lê, o que ele lê, para fazer esse diálogo.”

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Premissas para o currículo de leitura

Entre as premissas para definir um currículo de leitura, a psicóloga destacou o cuidado e a diversidade de aspectos para que os leitores possam viver a leitura de literatura como um espaço pessoal.  Isso significa, segundo Ana Carolina, reconhecer preferências, poder escolher leituras e ir tomando posse da trajetória desse percurso de leitor.

Aprender a reconhecer os efeitos da leitura literária e como esses efeitos incidem nas leituras futuras, compreender a literatura como um lugar de construção de sentidos e que dá forma à experiência de cada um, além de entendê-la como terreno que ajuda a elaborar uma narrativa interior são outras premissas. “É preciso ter delicadeza para pensar na tessitura. Porque o currículo olha para todos, o que todos precisam aprender. Mas é necessário fazer uma costura desse programa que vale para todos procurando manter, aprofundar, dar espaço para o gesto mais discreto de leitor para leitor, as práticas que envolvem o íntimo e o compartilhado.”

O íntimo e o compartilhado são indissociáveis na leitura e na formação do leitor. É preciso pensar nisso o tempo todo porque o verdadeiro leitor é o que tem participação ativa nas práticas sociais de leitura. Embora seja uma atividade individual, solitária –com um livro ou diante de uma tela, no caso do suporte digital–, há sempre uma rede por trás, seja na indicação, na forma como se chegou à leitura, seja como conversa posterior, fazendo com que se compartilhe as impressões de leitura. Significa que, embora sozinho, um leitor nunca está isolado.

(Ana Carolina Carvalho, psicóloga) 

Outro aspecto fundamental destacado por Ana Carolina é que se garanta, ao longo da escolaridade, o contato com a literatura como forma de produção artística: a aproximação com o texto, com suas formas e os efeitos que ele produz. “E isso tem tudo a ver com o currículo, que é o documento que nos ajuda a pensar o que é que o estudante precisa ir aprendendo ao longo do tempo e como ele vai progredindo e aprofundando nessa aprendizagem. Esse é um desafio para quem pensa a formação dos leitores das escolas e para quem pensa a organização de um currículo de leitura.”

Leituras em voz alta de textos literários, leitura compartilhada com textos em mãos, assim como os recitais de poesia, as oficinas de escrita de textos literários, as conversas e os clubes de leitura estão entre as práticas que podem contribuir para esse contato com a forma do texto, com a maneira como as histórias são construídas.

 

O desafio do retorno

A pedagoga Renata Frauendorf destaca o desafio do momento atual com o retorno às aulas presenciais depois do longo “estado de alerta” a que todos estiveram expostos nos últimos meses.  Com recortes de dados da quinta edição da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil (2021) (http://plataforma.prolivro.org.br/retratos.php), que avalia, em âmbito nacional, o comportamento o leitor brasileiro, ela lembra que mais da metade dos leitores no país lê por indicação da escola ou de professores.

Assim, a pesquisadora destaca o lugar central da leitura no retorno das aulas em agosto, como um acolhimento por meio da literatura, que tenha o efeito de um abraço, destacando a importância da escuta e da hospitalidade nesse momento de tantas incertezas.

Pensar no propósito o currículo de leitura e a quem ele se destina são pontos tão relevantes quanto a atenção ao que está escrito no documento e o que de fato acontece quando ele é colocado em prática, lembra Renata. Como exemplo, a pesquisadora cita trechos da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) que diz que a linguagem é “uma forma de ação interindividual orientada para uma finalidade específica; um processo de interlocução que se realiza nas práticas sociais existentes numa sociedade, nos distintos momentos de sua história”.

A escuta e o acolhimento também têm papel essencial na formação dos leitores. Nesse sentido, Renata lembra do aprendizado recente com a pandemia e de quanto as famílias, ao buscar alternativas de acesso para  crianças e jovens, fizeram a escola e os professores conhecerem uma realidade que antes não conheciam. O grande empenho agora é para que não se perca isso e seguir incorporando projetos de leitura como os que, por exemplo, conseguiram fazer com que os livros chegassem à casa dos alunos.

Confira a íntegra das participações das pesquisadoras no vídeo abaixo:

 

Um século de literatura infantojuvenil brasileira

A história da literatura infantojuvenil brasileira e os aspectos que envolveram, ao longo do tempo, a produção de livros desse segmento no país foram o tema da apresentação da editora executiva da Companhia das Letras, Mell Brites, para encerrar o primeiro dia da Jornada Pedagógica. Mell lembrou que, considerando a publicação do livro Menina do Narizinho Arrebitado, de Monteiro Lobato, lançado originalmente em 1921, como um marco do início literatura infantil no Brasil, o ano de 2021 marca o centenário dessa experiência que hoje tem autores brasileiros publicados inclusive em vários outros idiomas e mercados. Confira a íntegra da aula de Mell no vídeo abaixo.

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(Texto por: Sérgio Ribas)

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