Redes sociais e transversalidade: como aproximar os jovens da leitura literária?

22/07/2021

Transversalidades e formação do leitor – Diversidades e áreas de conhecimento foi o tema do encontro especial que fechou o terceiro dia da Jornada Pedagógica 2021, com as participações da escritora e historiadora Micheliny Verunschk, autora de O som do rugido da onça, e do escritor Jeferson Tenório, autor de O avesso da pele, ambos publicados pela Companhia da Letras. Tenório é professor de literatura há vinte anos e Micheliny também atuou como educadora, em experiências que os aproximam da vivência, no dia a dia, da formação de leitores.

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“Na sala de aula, tentar chamar a atenção dos alunos, manter o interesse de trinta, quarenta vozes contra uma, é o grande desafio. O que é que você tem para oferecer para que os estudantes deem algum crédito? No ensino médio, por exemplo, os alunos, já mais experientes, sabem exatamente qual é a do professor. Por isso, é preciso ter um grande repertório”, diz Tenório.

Livro do autor e professor Jeferson Tenório,
que participou da Jornada no terceiro dia. Leia +.

“Quando me perguntam o que um professor pode fazer para formar leitores, a minha resposta é: conheça os seus alunos. Tem que se aproximar deles porque é a partir dessa aproximação que tudo pode fazer sentido. Muitas vezes, um mediador acaba sendo mais importante do que a obra. Não precisa ser o professor, mas qualquer pessoa que tenha intimidade com aquele livro.”

“A literatura convoca ao exercício radical da alteridade. Entres todas as artes, é a que oferece mais elementos para ver o mundo sob a perspectiva do outro”, disse Micheliny. Em O som do rugido da onça, seu quinto romance, a escritora junta memória, colonialismo e pertencimento ao entrelaçar uma trama do século 19 ao Brasil contemporâneo. Protagonizado por crianças, na figura das personagens Iñe-e e Juri, tiradas de sua terra natal por dois “desbravadores” estrangeiros, Micheliny abre mão da historiografia hegemônica em favor de uma narrativa repleta de lirismos.

Livro da autora Micheliny Verunschk, participante
da última mesa da Jornada no dia 21. Leia +.

“Minha mãe me tornou uma leitora sem escolher livros que fossem exatamente para criança. Ela lia comigo os livros que estava lendo. Trazer a história para perto da vida é olhar para a história que está acontecendo agora. Quando você deixa de lado esse olhar, de grandes feitos, e imagina que as pirâmides do Egito foram levantadas por gente como a gente, o pedreiro ou encanador que você conhece, entende que a história está acontecendo o tempo todo e que os elementos da história circulam no mundo. Não são só os super-heróis e os astronautas que fazem a história”, diz Micheliny

Meus avôs eram grandes contadores de histórias e sempre havia o tempo em que os bichos falavam. Cresci com esse ouvido para ouvir a voz dos bichos, as narrativas indígenas, descobrir outros modos porque esse tempo ainda existe.

Micheliny Verunschk, escritora

O avesso da pele, de Tenório, traz a história de Pedro, que tenta resgatar o passado da família e refazer os caminhos do pai, o professor Henrique, assassinado numa abordagem policial. No livro, o escritor revela um país marcado pelo racismo e por um sistema educacional falido, além de tratar das relações entre pais e filhos.  

A conscientização racial de Henrique se dá no encontro com livros recomendados por um professor e, já na vida adulta, ele busca a própria humanidade – daí o avesso da pele– ao tomar consciência do que é ser negro. “Costumo dizer que tenho uma postura ‘comunística’ de Ogum, o orixá que forja as próprias armas para lutar. Mas é preciso ter cuidado, porque essas armas também podem nos ferir”, diz Tenório.

A literatura pode muito e, ao mesmo tempo, pode pouco. Para nós, é o que há de mais importante do mundo. Mas é muito peso colocar o poder da mudança social sobre ela. O que a literatura pode fazer é sensibilizar e essa sensibilização, sim, mudar as pessoas para melhor.

Jeferson Tenório, escritor

Por força dos ofícios de escritor e educador, Tenório acaba personificando a ideia do que é mais transversal na associação dos conhecimentos sistematizados e das questões práticas da realidade no convívio com os estudantes. “A minha trajetória como professor me ajudou a entender o aprendizado pelo gosto da leitura. Você aprende com os alunos. O professor de literatura precisa tentar fazer com que o aluno queira encontrar, na leitura, algo para a vida dele”, diz Tenório. De acordo com Tenório, há um mito prejudicial sobre a leitura na escola ao dizer que ela deve ser um prazer imediato para o aluno. É necessário a ensinar a ler de outro modo, mostrando que a dificuldade da linguagem também pode ser prazerosa. Desmontar o discurso de que ler é fácil. “Quando conseguimos fazer com que os alunos acreditem nos livros, estamos formando bom leitores”, diz o escritor.

Veja, no vídeo abaixo, a íntegra da participação dos escritores na Jornada Pedagógica.

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O currículo de leitura no ensino médio

Enviado pelo WhatsApp, o áudio da professora Daiane traz um trecho tocante de Quarto de despejo, de escritora Carolina Maria de Jesus – cuja obra começa a ser relançada pela Companhia das Letras em agosto. Um podcast da estudante Thux fala sobre o prazer e o poder da leitura. Numa performance contagiante, a jovem Bione brilha no Slam das Minas, em Pernambuco. Postado na rede social TikTok, o vídeo do adolescente – e agora “booktoker” da “fofoca literária” – escancara diversão ao interpretar, em poucos segundos, uma história pessoal associada a Dom Casmurro, o romance de Machado de Assis.

Múltiplos ou fragmentados, todos esses “retratos de época” sobre a realidade do jovem leitor foram usados pelas pedagogas e mestres em linguística Marly Barbosa e Ângela Kim, do Instituto Avisa Lá, ao tratar das principais considerações no planejamento do currículo de leitura nos anos finais do ensino fundamental e no ensino médio, outro tema que foi destaque no terceiro dia da Jornada Pedagógica 2021.

Para compreender o que identificam como o leitor hipermoderno, Ângela e Marly relacionaram múltiplas modalidades e suportes de leitura, que acontece massivamente pelo telefone celular. Com uma explosão de informações e linguagens, que inclui até a “gramática de imagens”, há o adolescente zapper, que fica o tempo todo recebendo e mandando mensagens, a questão da rapidez, do imediatismo e da brevidade de tudo, a aceleração e a descontinuidade das experiências e as redes de pertencimentos e compartilhamentos movimentando a intersubjetividade.

Nessa realidade, as práticas de leitura e linguagem e da formação do leitor literário precisam ser exercidas na escola, diz Marly, indicando a importância de abrir espaços para que os jovens falem e compartilhem suas experiências ao ler. Assim, além das premissas da diversidade, da continuidade e da progressão, o currículo precisa priorizar a leitura como uma forma de interação e de repensar a vida e os valores para muito além das demandas específicas relacionadas ao vestibular.

O leitor contemporâneo não se contenta em apenas ler o livro. Ele lê, segue no Instagram, procura o podcast sobre o título, vive tudo. 

Ângela Kim, pedagoga

No ensino fundamental e médio, entre 68% e 77% dos alunos, dependendo da faixa etária, se interessam pela literatura por influência do professor e da escola, segundo o relatório Retratos da Leitura no Brasil (2021), que avalia o comportamento do leitor brasileiro. Quando o jovem pede socorro por não estar conseguindo ler “um livro inteiro”, apesar de imerso numa rotina de leitura quase orgânica, é o professor, como diz Ângela, quem pode socorrê-lo.

No diálogo com a prática, deve-se equilibrar a leitura literária com o estudo da história da literatura e a análise de obras para ampliar o espaço leitor do estudante, qualificando suas escolhas. As pesquisadoras lembram que exercer a prática de leitura literária na escola é uma responsabilidade de todos os professores e não apenas dos de língua portuguesa. Um livro do navegador brasileiro Amyr Klink, por exemplo, pode tranquilamente ser a recomendação do professor de geografia. A leitura como conteúdo é outro aspecto importante nessa fase da formação.

Para a progressão da formação do leitor literário, que é papel da escola, os diferentes gêneros do texto, a diversidade temática, a complexidade dos elementos da narrativa, a autonomia do estudante, a leitura e a produção de textos e a adesão às práticas sociais são alguns parâmetros que precisam ser observados continuamente, segundo as professoras.

Confira, no vídeo abaixo, a íntegra da mesa com Marly e Ângela, que dão várias dicas de livros para trabalhar na escola e recomendam vivamente o material disponível na Sala do Professor, no site da Companhia das Letras.  

 

Práticas de leitura nos anos finais do fundamental e do médio

A prática da leitura na rotina na sala de aula, na biblioteca e em todos os espaços possíveis, especificamente com alunos do ensino médio e dos últimos anos do ensino fundamental, seguiu em evidência com a mesa que reuniu a professora e pesquisadora Josie Azevedo, que atua em Salvador, o bibliotecário Oscar Garcia, sediado em São Paulo, e a professora e mestre em Letras Ana Paula Cecato, de Porto Alegre.

“É importante fazer que a sala de aula seja um momento de transformação”, disse Josie, que integra o Coletivo de Educação Antirracista, assim como Ana Paula. Entre outras práticas, Ana destacou os desafios de leituras, os cadernos de leitura itinerantes, um projeto integrador de linguagens e história, viabilizado durante o período do ensino remoto. Há mais de uma década atuando como bibliotecário na rede SESI de São Paulo, Garcia, que é apresentador e produtor do podcast O prazer de ler, falou, entre outras experiências, da que teve recentemente com drive-thru de livros, viabilizado para manter a prática da leitura durante a pandemia.

Confira a íntegra da mesa sobre práticas de leitura no vídeo abaixo.

(Texto por: Sérgio Ribas)

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