Mediar é lançar pontes, diz a especialista Silvia Oberg. Imagem: O livro de Lívio, de Hfrena Bragadottir
"No contexto de velocidade e fragmentação em que vivemos, quando tudo tem que ter servir para alguma coisa, ter um fim utilitário, [esses] momentos de certa lentidão e 'gratuidade', em que estamos juntos para compartilhar um poema, uma história são essenciais, humanizadores", explica ela.Mediação de leitura em casa
Mas esses momentos de mediação de leitura podem trazer inúmeras dúvidas para quem, como nós, não é profissional dessa área. E se o final surpreender as criançasa E se elas ficarem com dúvidasa Respondo ou nãoã E se a leitura for incômoda para elasa E se elas interromperem o tempo todo para comentara E se o livro trouxer pontos de vista sobre os quais não tínhamos conversado antese Qual é nosso papel nesses momentoso Conversamos com Silvia Oberg sobre isso e trouxemos sete pontos interessantes para refletirmos quando o assunto é mediação de leitura e leitura compartilhada em casa. Abaixo, um resumo dessa conversa, nas palavras e no depoimento da especialista.1) Mediação de leitura é despertar no outro o desejo de ler
"Mediar a leitura é lançar pontes entre o imaginário do leitor e a literatura. O mediador é aquele que pode despertar no outro o desejo de ler. Mediar é fazer um convite à leitura e o modo como se faz esse convite pode ser decisivo na aceitação ou não por parte de quem é convidado. Pode ser uma leitura com ou para a criança, uma conversa sobre um livro, uma ida à livraria ou à biblioteca para ver livros, possibilitar que manuseiem diferentes tipos de livros, que observem as ilustrações, etc. Um bibliotecário, um professor, pais, avós, um amigo que fala para uma criança de uma história que leu, de um poema que gostou, também fazem uma mediação em um sentido mais amplo. ---"Cantar, brincar com palavras com um bebê também pode ser uma forma de mediar
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Cantar, brincar com palavras com um bebê também pode ser uma forma de mediar, de fazer com que os pequenininhos experimentem ludicamente e afetivamente a linguagem verbal - ouvindo seus ritmos, suas sonoridades, mesmo que ainda não conheçam seus sentidos. O mediador de leitura é, antes de tudo, um leitor sensível que quer compartilhar com os outros algo que para ele é precioso - no caso, a literatura".///
2) Somos mediadores lendo e também contando histórias
"Em um sentido mais amplo, o mediador de leitura é alguém que gosta dos livros, da literatura escrita ou oral e que tem o desejo de compartilhar isso com os outros. Sempre que lemos com envolvimento, com expressão para alguém, assumimos o papel de mediadores. Há grandes contadores de histórias - que são grandes mediadores - que, muitas vezes, não têm escolaridade, alguns não sabem ler nem escrever. É comum termos a lembrança de avós que nos contavam causos e histórias, declamavam quadrinhas e poemas de um jeito maravilhoso e que, muitas vezes, pouco tinham frequentado a escola e muito menos sabiam o que é fazer mediação de leitura. Então, o mediador pode ser um profissional da área da leitura, um educador, um bibliotecário, um professor, mas também pode ser aquela pessoa que ama as narrativas, os versos, que ouviu histórias na infância, ficou marcado por elas e que, quando adulto, compartilha essas histórias com os outros.///
3) Mediação de leitura também serve para leitores autônomos
"[A leitura compartilhada e a mediação de leitura podem continuar mesmo depois que a criança cresce, se alfabetiza, vira leitor autônomo] Aí as trocas e conversas tomam outros rumos.Leitores autônomos gostam de compartilhar suas escolhas e podem ser mediadores de leitura. Imagem: Super-Ulisses, de Caio Tozzi (texto) e Renato Drigues (ilustrações)
Por exemplo, quando as crianças já possuem certa bagagem de leitura podem fazer suas escolhas sem a interferência do adulto, podem sugerir livros para a família - para lerem juntos ou simplesmente conversarem sobre livros que leram." LEIA MAIS: Crianças grandes também gostam de ler e ouvir histórias///
4) Vale a pena ler o livro antes da mediação de leitura
"É importante que [o adulto mediador] leia o livro antes de compartilhá-lo com as crianças, porque pode descobrir, no meio da leitura e diante da criança, que o livro não é o que pensava, que a história não está adequada para aquelas crianças, por exemplo. ---"Muitas vezes, precisamos dar tempo para a história 'descansar' e ser absorvida pelas crianças, sem buscar respostas e explicações imediatas
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É importante conhecer o livro que vamos ler e também, se possível, as crianças para quem vamos ler".///
5) A literatura oferece a possibilidade de vivenciar simbolicamente situações difíceis
"Acho que se o adulto está desconfortável com um livro por causa de seu tema, ele não deve trabalhar com ele junto às crianças. Em relação às crianças, nem sempre é possível saber se um determinado assunto vai gerar desconforto ou não para elas. No caso, o adulto precisa estar em condições de lidar com as reações das crianças, ter experiência junto a esses grupos. É importante lembrar não podemos preservar a criança de tudo o que é problemático, doloroso - isso não é possível. A literatura nos oferece a possibilidade de vivenciar simbolicamente determinadas situações e impasses e, de alguma forma, nos fortalece para a vida real".///
6) O mediador também precisa ouvir
"Quem conta, quem lê para/com a criança, precisa aprender a ouvir também. Os livros são uma via de muitas mãos, possibilitam trocas, reflexões, conversas e silêncios cheios de significados. Uma das características do texto literário é a plurissignificação. A beleza da literatura está em possibilitar diferentes leituras, diferentes níveis de leitura a depender, inclusive, das referências do leitor. A leitura é um espaço de liberdade, de imaginação e as interpretações, os sentidos que o leitor constrói na leitura são imprevisíveis, imponderáveis. É importante fortalecer a autonomia da criança em relação ao que ela pensa e ao que lê, mas, para isso, o adulto precisa acreditar na potência e na inteligência das crianças.///
7) Não é preciso responder ou explicar o que o livro deixa em aberto
É claro que quando gostamos de um livro, quando uma história nos emociona, nos provoca, a gente tem vontade de conversar depois que lê. Muita coisa interessante pode ser desencadeada pela leitura. As crianças são muito espontâneas, vão logo falando o que acham, se gostaram ou não, se a história se parece com outra que leram, se elas têm algum amigo parecido com o personagem, se ficaram com medo, se querem ouvir outra vez ou ir brincar. Mas é importante saber que não é preciso validar a leitura com ações em torno dela. Podemos deixar a criança elaborar o que leu ou ouviu e acompanhar isso em silêncio. Muitas vezes é importante deixar o que se leu encontrar lugar dentro das crianças (e de nós mesmos). É mesmo difícil para os pais deixar que as crianças vivenciem suas emoções depois da leitura sem interferir. Ou entenderem que não é preciso explicitar para a criança o que o livro deixou em aberto, indefinido. Deixar certas coisas sem respostas, deixar certas histórias e poemas maturando dentro da gente é parte do processo de crescimento de todos nós. Tem uma coisa bonita que a psicóloga e escritora francesa Jacqueline Held diz em seu livro O imaginário no poder: os livros são 'fermentos secretos que agem sobre a sensibilidade, a imaginação e o intelecto'. É isso, muitas vezes, precisamos dar tempo para a história 'descansar' e ser absorvida pelas crianças, sem buscar respostas e explicações imediatas".///
E vocêt Conte para a gente como têm sido os momentos de leitura na sua casa!