As crianças pensam e entendem o mundo por meio das emoções, criando teorias e hipóteses que, para a lógica do adulto, podem não ter sentido algum. Mas, durante a infância, qualquer coisa que se imagine apresenta algo de novo para o mundo e é digna de ser considerada uma possibilidade. Por isso é tão importante cultivar e proteger essa maneira não linear de pensar, dentro da qual cabem as ideias mais fantásticas. E a literatura infantil está povoada dessas ideias um tanto non sense.
O pesquisador e doutor em Educação Infantil Paulo Fochi argumenta que um livro literário que não tenha um raciocínio da lógica adulta ou da lógica científica, mas que apresente outras lógicas e subjetividades, traz sempre um ponto de conexão com o mundo da criança.
“Ele dá esse espaço criativo para imaginar coisas não imagináveis, e a gente costuma achar que isso é uma coisa inútil, mas, na verdade, isso é a matéria-prima para solucionar todo e qualquer problema do mundo para o qual a gente ainda não sabe a resposta. É conseguir imaginar o não imaginável, e a criança vai fazer isso pela sua não convencionalidade”, ele explica.
Em seu livro mais recente lançado aqui no Brasil, Eu quero um cachorro, o autor norte-americano Jon Agee apresenta uma situação em que é justamente o adulto quem dá as ideias mais extravagantes de animais de estimação para uma menininha que só quer adotar um cachorro. Por fim, ela se convence de que uma foca é um bichinho tão espetacular para se ter em casa quanto um cão. Por que não, afinal?
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E como legitimar esse conhecimento de mundo trazido pelas crianças?
Ele também chama essa habilidade da criança de narrativa poética, que é essa maneira tão especial de entender o mundo, de maneira não científica e não canônica.
Quando a escola está centrada na experiência da criança, ela não se interessa pela formalização do conhecimento canônico - não nos primeiros anos de vida, como é o caso da educação infantil. Ela se interessa pela manutenção da capacidade de perguntar da criança e pela legitimação da sua capacidade de explicar o mundo a partir das suas próprias teorias e de criar significados a partir das suas teorias.
Paulo Fochi
Paulo explica que há dois pontos chave que precisam ser praticados por qualquer adulto, seja da escola ou da família. O primeiro é levar as crianças a sério e o segundo é escutá-las. Assim, quando a criança conta uma história, em vez de “corrigir” ou questionar, o mais interessante é dizer apenas: “me conta mais?”.
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Que tal adotar um tamanduá ou um filhote de babuíno como animal de estimação?
“É incrível o que acontece quando um adulto faz isso. Às vezes elas ficam tão espantadas que alguém as levou a sério que começam a contar um monte de histórias. Às vezes elas não estão preparadas para isso e é muito legal vê-las criando as narrativas na hora. É algo muito maravilhoso”, ressalta o pesquisador.
Da mesma forma, não se trata de escutar com o compromisso de ensinar, mas de dar a elas a possibilidade de formular o que pensam sobre o mundo num momento em que é absolutamente legítimo pensar sobre o mundo desde outros lugares e de outras lógicas que não as já estabelecidas.
“A gente foi civilizado numa lógica que diz que o adulto sabe e a criança não sabe. Claro que há um conjunto de responsabilidades de que os adultos têm que dar conta, e a ideia não é transferir responsabilidades para as crianças. Mas essa epistemologia de que o adulto sabe e a criança não é muito perversa com a criança. Ela ensurdece o adulto na capacidade de escutar as crianças”, alerta Paulo.