Queimadas na Amazônia. Uma enchente que destruiu uma cidade inteira no sul. Espécies em extinção. Dias de calor descomunal que fazem vítimas do outro lado do mundo. Se antes parecia papo de filme de fim de mundo, hoje é real: a emergência climática está aí.
E não passa despercebida pelas pequenas mentes curiosas das crianças. Ao ouvir as conversas dos adultos, dependendo da idade, algumas se assustam, ficam tristes ou ansiosas. Como responder às milhões de perguntas que surgem a partir dessas emoções? Como explicar que todas essas catástrofes foram, de uma maneira ou de outra, geradas por ações humanas? E o mais importante: como ajudá-las a entender o que eles têm a ver com isso e o que podem fazer para reverter este cenário catastrófico?
Ilustração do livro A floresta, de Irena Freitas
A ameaça é para todos, mas deixar as crianças aterrorizadas não é um caminho eficaz. Na verdade, é o contrário. “As crianças pequenas estão chegando no mundo, conhecendo tudo. Por isso, é preciso ter muito cuidado com todas essas notícias”, ressalta a pegagoga Valéria Rocha, coordenadora pedagógica da escola Quintal do João Menino (SP). “É importante não passar a uma criança pequena a mensagem de que o mundo está destruído, está acabado, que a gente já era, que o planeta e a humanidade não vão ter salvação - embora, muitas vezes, fiquemos bem chateados com tudo isso”, aponta. Se a criança acredita que há pessoas engajadas em cuidar do planeta, ela também se engaja, se conecta e entende que também precisa proteger esse lugar. “Se mostrarmos que está tudo péssimo, por que ela vai se esforçar? Se já está perdido, por que cuidar?”, questiona Valéria.
Ao mesmo tempo, não dá para fingir que nada está acontecendo. É necessário responder às perguntas de uma maneira simples e honesta - de acordo com o entendimento possível para cada faixa etária. Como você verá adiante, os livros e as histórias também podem ser ótimas ferramentas para ajudar a entender como a natureza funciona, o que está em perigo e qual é o nosso papel, desde muito cedo, para ajudar a reverter esse quadro.
Se a Terra pudesse contar o que sente: seria tristeza ou alegria? Ilustração de Será que a Terra sente?
Conectar para compreender - e cuidar!
E por falar em história, em uma entrevista anterior ao Blog da Letrinhas, o escritor, professor e ativista indígena Daniel Munduruku, autor de Histórias de Índio (Companhia das Letrinhas, 1996), levantou um ponto importante: olhar para o passado, para a nossa ancestralidade, pode ser uma maneira de encontrar caminhos que nos ajudem a seguir adiante. Segundo ele, os povos indígenas não são povos do passado, nem do futuro.
“São povos que olham o passado para encontrar caminhos para seguir adiante”, afirmou. Isso acontece por meio do sentimento de pertencimento, da conexão, da compreensão de que a natureza não existe para ser usufruída por nós, humanos, e, sim, que nós, humanos, somos parte integrante da natureza. Coexistimos em equilíbrio - ou, pelo menos, assim deveria ser.
Olhar para trás, nesse caso, não é saudosismo, apego ou perda de tempo. É uma questão de aprender com o que foi feito, para não repetir os erros e resgatar a conexão com a natureza e com a nossa casa, que é esse planeta. Lembrando que nem sempre é preciso ir tão longe: olhar para trás, às vezes, é olhar para o pai, para a mãe, para os professores. As crianças vão mirar no exemplo dos adultos que vieram antes dela e que são sua grande referência. “A criança aprende por imitação, por exemplo, por vivência”, diz Valéria. “Não adianta dar sermão, oferecer grandes explicações ou mesmo mostrar videozinhos informativos. Ela precisa vivenciar”, reforça.
Quando você tem um vínculo com algo ou com alguém, valorizar e proteger se torna uma prioridade. É este um dos principais caminhos para engajar as crianças no assunto, segundo a professora Angélica Rangel do Nascimento Cunha, autora do artigo A educação ambiental aplicada na educação infantil: um estudo sobre o trabalho realizado em uma escola infantil da cidade do Rio de Janeiro. “Na Educação Infantil, é importante trabalhar de forma ampla e não apenas transversal”, diz. Na escola em que ela trabalha, a Creche Nossa Senhora da Glória (RJ), as crianças iniciam o contato com a natureza desde cedo. “Temos um enorme quintal com árvores, grama e muito espaço para percorrer. Então, dentro do projeto definido com a turma, escolhemos, por exemplo, falar sobre as árvores do quintal. Vamos colher sementes, analisar os aspectos, como tamanho, forma, cor, aroma; coletamos folhas para analisar também suas características e plantamos mudas com as sementes ou plantas já em crescimento”, exemplifica.
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Nem todas as escolas contam com uma área verde ou com locais que proporcionem o contato diário com plantas e animais, mas há outras formas de promover esse vínculo. Montar uma horta, ter alguns vasos, organizar passeios ou até incluir momentos de observação do clima, do céu na rotina. Também vale destacar os hábitos e escolhas que integram a nossa rotina e que são essenciais para a nossa sobrevivência, como a alimentação, que está intimamente ligada à natureza.
Valéria Rocha conta que estas são algumas das práticas adotadas com as crianças no Quintal do João Menino. “Trazemos as estações do ano como uma vivência, para que as crianças percebam que há um ciclo na natureza”, relata. “No outono, as plantas vão perdendo a folha, no inverno, elas percebem que os dias são claros, mas faz frio, tem as chuvas de verão, as flores da primavera…”, enumera. Saber quais são as frutas da estação também é um conhecimento que conecta. “Não é apenas explicar qual é a fruta da estação e sim conscientizar as crianças sobre isso, priorizar comer as frutas da época. É tão gostoso quando você pensa: ‘Ah, essa fruta eu só como no Natal’ ou ‘Aquela só dá no verão’. A criança se aproxima por meio desses ciclos e ritmos da natureza”, observa.
Sustentabilidade: pequenos grandes gestos para fazer a diferença
Nesse sentido, sobretudo na primeira infância, o período que vai dos zero ao sete anos,, os pequenos aprendem pelo que veem e pelo que vivem. Isso pode ser um impulso para que os adultos, na ânsia de ensiná-los, também sejam estimulados a questionar, a mudar os próprios hábitos, a refletir sobre como é possível contribuir com um mundo melhor. Como tratamos o lixo na nossa casa? Reciclamos? Reutilizamos? Como pensamos o consumo? “São atitudes que precisamos ter dentro de casa, na escola, nas comunidades, na rua. Tudo isso vai servindo de exemplo”, diz a coordenadora pedagógica. “Tudo o que a gente faz com muita consciência reverbera nessa criança, vai formando a índole e a consciência dela”, acrescenta.
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As crianças aprendem seguino o modelo dos adultos, mas vale lembrar que o contrário também é verdadeiro: muitas vezes são elas que acabam ensinando hábitos melhores para quem já está bem crescido, mas ainda não absorveu lições importantes. A professora Angélica lembra que uma das formas de propagar a chamada conscientização é justamente atingindo os adultos por meio das crianças, com os ensinamentos e práticas que elas trazem da escola. Através dos pequenos pode ser possível mudar alguns hábitos ultrapassados de consumo dentro das famílias. “É necessário começar cedo, com projetos, ações e assuntos que façam parte da rotina da infância, desde planejamentos até as brincadeiras”, defende. “Um projeto dessa magnitude só colhe frutos muito tempo depois e isso pode ser desestimulante. Conscientizar também leva tempo até atingir gerações adultas, que poderão intervir no que está aí”, afirma.
O poder da literatura para despertar o amor (e a responsabilidade) pelo planeta
Adquirir conhecimento (e colocá-lo em prática, é claro) é a principal forma de virar esse jogo. Falar sobre a emergência climática, sobre o esgotamento de recursos, sobre ameaças a tantas espécies e também sobre o que podemos mudar no nosso dia a dia é algo que deve fazer parte das conversas entre adultos e também com as crianças. Para elas, em especial, as histórias são ótimas formas de propagar informações importantes. Pensando nisso, fizemos uma seleção de títulos que ajudam crianças e adultos a compreender o papel de cada um em um momento tão delicado do planeta. Confira:
1. Árvores geniais (Brinque-Book), Philip Bunting - a partir de 6 anos
Com seu humor característico, Philip Bunting traz informações curiosas e surpreendentes sobre as árvores. Você sabia, por exemplo, que elas são amigas e conectadas entre elas? O livro mostra como as árvores são incríveis e importantes, estimulando a consciência e a nossa responsabilidade com a natureza. Foi eleito um dos melhores livros infantis do ano de 2022 pelo Children's Book Council da Austrália.
2. O quintal da minha casa (Companhia das Letrinhas), Fernando Nuno - a partir de 6 anos
Sua casa tem quintal? Mesmo que você viva em um apartamento ou em uma casa minúscula, acredite: tem, sim! É um quintal cheio de diferentes espécies de plantas, animais… todos fundamentais para a nossa existência. Uma leitura que é um convite para refletir sobre o que podemos fazer para salvar no grande quintal chamado Terra.
3. A floresta (Companhia das Letrinhas), Irena Freitas - a partir de 4 anos
Depois de ver as notícias na TV, uma menina quer acabar com a destruição da floresta. Alguma semelhança com a realidade aí na sua casa? Os amigos e a imaginação dão uma ajudinha com várias ideias para recuperar o verde das matas e das páginas do livro. A obra foi inspirada em incêndios que ocorreram de verdade em 2019 na Floresta Amazônica.
4. Histórias de índio (Companhia das Letrinhas), Daniel Munduruku - a partir de 9 anos
A cultura indígena é apresentada do ponto de vista de Daniel Munduruku, um de seus integrantes. Com bom humor, o autor conta suas experiências no “mundo dos brancos” e também fala sobre a situação dos povos originários no Brasil, responsáveis pela preservação de boa parte do que ainda resta intacto na natureza, em território nacional. A edição inclui desenhos de crianças indígenas e fotos de aldeias mundurukus.
5. A árvore magnífica (Brinque-Book), Nick Bland - A partir de 3 anos
O livro conta a história de Bia e seu pai, uma dupla que adora pássaros. Juntos, eles pensam em várias ideias para se aproximar e conviver mais com eles. As ideias do pai são muito diferentes das ideias da filha, mas, juntos, eles decidem criar algo para atrair os animais… E o resultado é surpreendente!
6. A árvore em mim (Pequena Zahar), Corinna Luyken - a partir de 4 anos
Dá vontade de morar neste livro, que tem ilustrações poéticas e revela, em um texto ritmado, como os seres humanos se conectam entre si, compartilhando também algumas características com as árvores. Sabia que elas se comunicam pelo subsolo? Uma descoberta científica incrível e que também se conecta muito com a nossa concepção de amizade e de afeto...
7. As maravilhas da água (Brinque-Book), Philip Bunting - a partir de 6 anos
Sem a água, nós, seres humanos, não existimos. Este livro, outra obra de Philip Bunting, explora a nossa profunda conexão com esse elemento e traz várias curiosidades. De um jeito divertido e envolvente, o livro descreve a composição molecular da água, sua origem espacial, o ciclo dela na natureza e, principalmente, o papel fundamental que desempenha em nossas vidas. Considerando os estados líquido, gasoso e sólido, o suor de nosso corpo, uma água-viva ou mesmo uma árvore, o leitor verá que cada molécula de água carrega uma história, e que nós só estamos aqui por causa dela!
8. A marcha das baleias (Brinque-Book), Nick Bland - a partir de 4 anos
Já imaginou se as baleias convivessem com as pessoas? Se pegassem o trem, fizessem compras e comessem em restaurantes? Nesta história, um grupo de baleias faz exatamente isso e torna a vida na cidade muito divertida, mas também uma bagunça. Uma menina tenta entender o que elas estão fazendo ali...e descobre que é porque a casa delas está completamente suja. Foi considerada uma das melhores obras infantis do ano de 2022 pelo Children's Book Council da Austrália.
9. Ninguém é pequeno demais para fazer a diferença (Companhia das Letrinhas), Jeanette Winter - a partir de 4 anos
A maior inspiração para as crianças (e para os adultos!) no meio do ativismo ambiental, Greta Thunberg tinha 15 anos quando ouviu de uma professora sobre as mudanças climáticas. Ao pesquisar mais sobre o assunto, percebeu que, se não agirmos rápido para reverter essa situação, logo será tarde demais. Sozinha, ela deu início a um movimento que se espalhou pelo mundo inteiro, liderado por crianças e jovens, e fez com que grandes líderes e políticos ouvissem o que ela tem a dizer: é nossa obrigação cuidar do planeta para garantir um futuro às próximas gerações – e todos nós podemos fazer a diferença.
10. Livro vermelho para crianças: fauna ameaçada de extinção (Companhia das Letrinhas), Otávio Maia - a partir de 9 anos
Vários bichos estão ameaçados de extinção e precisam da nossa atenção e da nossa ajuda. Para isso, é importante conhecer melhor cada um deles. Neste livro, as crianças entendem melhor a vida de 35 espécies que estão em risco e descobrem curiosidades e informações importantes sobre elas, além de uma reflexão sobre o que pode ser feito para evitar que o pior aconteça.
11. O protesto (Pequena Zahar), Eduarda Lima - a partir de 3 anos
E se toda a natureza, de uma formiga minúscula a um rinoceronte, passando pelos rios e pelas florestas, se calassem, de repente? Afinal, qual seria o motivo de tanto silêncio? A autora Eduarda Lima chama a atenção para o impacto do ser humano no planeta e faz um apelo: juntos, podemos combater a poluição e o desperfício e reverter o jogo.
12. Será que a terra sente? (Pequena Zahar), Marc Majewski - a partir de 4 anos
Se a Terra fosse um organismo vivo, será que ela estaria feliz ou triste com o que estamos fazendo com ela? A proposta do livro é fazer um exercício de empatia e imaginação, conjecturando os sentimentos de um planeta ameaçado, mal cuidado e explorado. Será que a gente consegue fazer algo para ajudar nossa querida Terra a se sentir melhor?
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