Após uma espécie de trilogia constituída por Sentimental (2012), Escuta (2015) e Retratos com erro (2019), na qual a violência e o horror predominam, Eucanaã Ferraz reencontra a leveza que marca sua trajetória desde o início, há mais de três décadas.
Após uma espécie de trilogia constituída por Sentimental (2012), Escuta (2015) e Retratos com erro (2019), na qual a violência e o horror predominam, Eucanaã Ferraz reencontra a leveza que marca sua trajetória desde o início, há mais de três décadas.
Em seu novo livro, Eucanaã Ferraz reafirma sua poética e, mais uma vez, surpreende seus leitores. A mais flagrante originalidade é a presença de poemas em prosa. De uma página para outra, deslizamos, sem sobressalto, dos versos para as linhas contínuas e de volta a eles.
A luminosidade sugerida pelo título é presença constante -- no entanto, desenha-se sempre em contraste com a escuridão. É exemplar a maneira como a aventura de alguém à procura da palavra surge em termos perturbadores: "Atirou seus cabelos aos cães. Queimou aviões. Desmontou os esqueletos da sagrada família. Comeu o coração de sua mãe. E nada". O modo como a paisagem carioca é apresentada dá a medida do quanto o livro agita-se entre visões conflitantes: "A tarde/ sobrevém numa revoada verde/ nervosa de maritacas. Na noite/ voam sirenes e tiros".
Todo o volume parece movido por uma cadeia sem fim de perplexidades. O clarão abre caminho na sombra, a palavra vibra, os sentidos se acendem. A escuridão retorna, mas já não somos os mesmos.