O primeiro abalo atingiu Lisboa na manhã do dia 1º de novembro, de 1755 - Dia de Todos os Santos. Minutos depois, outro ainda mais forte arrasou a cidade, seguido por um terceiro. Lisboa, uma das capitais mais imponentes da Europa, foi destruída em menos de 15 minutos. Então um tsunami arrastou milhares de pessoas e um vento implacável espalhou os focos de incêndio provocados pelos tremores. O jornalista Nicholas Shrady revela, em O Último Dia do Mundo, que a reação ao desastre natural, mais do que a tragédia em si, é o que ainda hoje provoca grande fascínio. O terremoto em Portugal, na capital mais católica do continente, abalou as certezas intelectuais e religiosas que na época dominavam a Europa do Iluminismo. Até 1755, as aflições que a natureza impunha sobre a humanidade eram consideradas obra de um Deus furioso - o homem estava pagando por seus pecados e fraquezas. Após a catástrofe, o lugar de Deus nas relações humanas começou a ser questionado. Voltaire, Pope, Kant e Rousseau, entre outras figuras eminentes, fizeram do acontecimento um veículo para expressar suas ideias iluministas. O grande terremoto e a subsequente reconstrução de Lisboa também deram origem a reformas sociais e econômicas memoráveis, ao planejamento urbano moderno e ao nascimento da sismologia. "Perante o monumental alcance da destruição, o rei, que tinha 40 anos de idade e era mais propenso aos tons estrondosos da ópera e à alegria da caça do que ao trabalho obstinado de governar seu reino, estava perplexo. Mensageiros chegaram durante toda a manhã, trazendo relatos cada vez mais explícitos das cenas infernais de terror e ruína, do incalculável número de mortos e da chegada do Apocalipse. Impotente, ele fez exatamente o que nenhum monarca jamais deveria fazer: encolheu-se de medo", escreve o autor. No entanto, o Estado português, com a ajuda do Santo Ofício da Inquisição, se esforçava para garantir que as mentes portuguesas não fossem influenciadas por ideais que pudessem abalar sua fé. Somente um pequeno grupo parecia prestar atenção nas inovações que emergiam em países como França e Inglaterra. Entre esses esclarecidos, estava José de Carvalho e Melo, a quem o rei confiou a reconstrução de Lisboa: "Levado à presença do rei, Carvalho ficou chocado com a cena de confusão e piedosas invocações, e por ver o monarca num estado tão evidente de angústia. O diálogo que se seguiu teve enorme significado e definiu a resposta para a crise com a precisão de um aforismo. - O que deve ser feito para enfrentar esta imposição da justiça divina? - perguntou o rei. - Enterrar os mortos e alimentar os vivos - respondeu Carvalho. A declaração era exatamente o que o rei prostrado desejava ouvir." Em O Último Dia do Mundo, o autor revela como, inspirado nos grandes filósofos iluministas da época, Carvalho fez com que a razão triunfasse sobre o obscurantismo religioso. Assim, enquanto muitos rezavam, ele rapidamente enviou tropas para apagar o fogo, buscar sobreviventes em meio às ruínas e controlar os saqueadores. Lisboa seria reconstruída, e ressurgiria como uma cidade moderna, de ruas largas, com sistemas de esgoto e escoamento adequados.