A história central de Primavera num espelho partido, do uruguaio Mario Benedetti - um dos escritores mais importantes da América Latina - gira em torno de Santiago, personagem condenado ao exílio interior numa prisão de seu próprio país, por ter participado da guerrilha urbana durante o período da ditadura militar no Uruguai, imposta de 1973 a 1985. Já sua mulher Graciela é obrigada a se mudar para a Argentina com Beatriz, sua filha pequena, e dom Rafael, seu sogro, para reconstruir a vida. Para o marido, detido em sua cela, é como se o tempo tivesse parado. No romance, Benedetti aborda de maneira bastante original a temática da opressão e do exílio coletivo dos uruguaios. Sendo ele próprio também um exilado, adota um modo de observação pouco comum, ao intercalar vozes narrativas distintas ao longo do texto. Essas vozes se sucedem, se somam, cedem passagem umas às outras, organizando um mosaico de impressões e sentimentos. Santiago é um homem sofisticado, "acima de tudo boa gente", que "conhecia botânica, marxismo, filatelia, poesia de vanguarda e, além disso, (...) um arquivo vivo da história do futebol". Detido pela ditadura uruguaia por suas posições políticas, durante os cinco anos de prisão se comunica com a mulher apenas por cartas esporádicas. Ele vive num tempo estático, onde nada de novo acontece. Na cela, passa e repassa as lembranças familiares como forma de se manter são. Já Graciela precisa seguir em frente. Trabalha numa empresa como secretária e procura recompor sua vida com Beatriz. Ao contrário do marido, ela cai em uma rotina de mudanças constantes, em que mesmo o seu amor por Santiago, que ambos consideravam imutável, poderá ser afetado. Ao entrelaçar as vozes dos personagens - inclusive a sua própria, ao falar sobre os amargos anos de exílio pelos quais passou -,o autor escreve um livro surpreendente sobre as contradições humanas e as escolhas de cada um. Como exilado, o desejo de voltar ao seu país sempre esteve presente em Benedetti. Em Palma de Mallorca, em 1980, ao receber a notícia do resultado favorável de um plebiscito decisivo para o fim da ditadura, ele havia agendado sua volta ao Uruguai. Um tempo depois, em 18 de abril de 1983, prevê, em artigo, publicado no jornal El País de Madri, a necessidade da criação de uma nova palavra para dar conta desse desejo de volta inerente ao exílio: "Quando o dicionário nega a palavra que necessitamos, sinceramente temos que inventá-la... Mais de uma vez pratiquei esse exercício verbal, no entanto, nenhuma de minhas palavras inventadas tiveram tão boa sorte como 'desexílio'."