O que liam as crianças de antigamente?

27/10/2017

 

Quem visita a Biblioteca Brasiliana, localizada na Universidade de São Paulo (USP), pode encontrar até o fim do mês personagens que entraram no imaginário das crianças brasileiras de décadas passadas – João Felpudo, Jeca Tatuzinho, Robinson Crusoé e muitos outros. Eles estão na exposição Livros Infantis, Velhos e Esquecidos, que reúne as primeiras obras infantis publicadas no Brasil, entre o final do século XIX e o início do século XX.

Essas publicações, incluindo almanaques, álbuns ilustrados, romances adaptados e revistas, são objeto de estudo das curadoras e pesquisadoras Gabriela Pellegrino Soares, professora no departamento de História da universidade e autora do livro Semear horizontes – uma história da formação de leitores na Argentina e no Brasil, 1915 a 1954, e Patrícia Tavares Raffaini, que leciona na Faculdade de Educação.

 

Foto Elcio Silva

 

Os mais velhos ainda devem se recordar da saudosa revista Tico-Tico, que introduziu figuras como Carlos Drummond de Andrade e Luís da Câmara Cascudo, crianças à época, ao universo leitor. Os exemplares expostos relembram a longa trajetória de 56 anos da revista, a mais longeva publicação brasileira voltada ao público infantil. Suas páginas traziam aos jovens leitores brasileiros traduções ou adaptações de histórias de além-mar, como Julio Verne, Miguel de Cervantes, William Shakespeare, Jonathan Swift, Robert Louis Stevenson e Daniel Defoe.

Os visitantes ainda podem conhecer algumas obras de Monteiro Lobato. Entre elas, as primeiras edições do escritor, ainda na década de 1920: Jeca Tatuzinho, Fábulas e Narizinho arrebitado, em sua edição original e na escolar. Vale lembrar a importância de Monteiro Lobato para a literatura infantil, já que o brasileiro foi o responsável por trazer as mudanças da Semana de 1922 aos pequenos, como lembra Marisa Lajolo, autora do livro Literatura infantil brasileira: Uma nova/outra nova história. O escritor teria, inclusive, enviado uma carta a um amigo reclamando que não havia nada para ler para os seus filhos além das fábulas de João Köpke.

 

Foto Elcio Silva

 

Lobato, no entanto, não é o único brasileiro a participar da exposição, que também conta com edições de Era uma vez (Viriato Correa e João do Rio), Juca e Chico (Olavo Bilac) e Álbum das Crianças (Figueiredo Pimentel), além do Era uma vez de Júlia Lopes de Almeida, escritora que ajudou a fundar a Academia Brasileira de Letras (ABL), mas foi impedida de assumir uma cadeira na entidade, até então destinada apenas aos homens.

Os estrangeiros também faziam muito sucesso por aqui. Na biblioteca, é possível conferir, por exemplo, os famosos álbuns ilustrados, como Os últimos empregos de Maria dos Tamancos (Jordic), A viagem do alto Mandarim Ka-li-kó e de seu fiel secretário Pa-tchu-li (Eugene le Mouel), Os amores do Sr. Jacarandá (Rudolf Toffler), Escutem!, O Fundo do Sacco e Scenas da Vida Privada dos Animaes (os três de Benjamin Rabier). As publicações eram uma espécie de enciclopédia e se destacam pelas ilustrações tipicamente europeias.

 

Foto Elcio Silva

 

Os clássicos não podiam ficar de fora. Naquela época, já circulavam pelo imaginário popular fábulas como as de La Fontaine, Contos das Fadas (1893), Contos dos Irmãos Grimm (1926) e As aventuras de Robinson Crusoé (Daniel Defoe). Quem também fazia sucesso na infância brasileira de décadas passadas era o escritor Julio Verne, que ganha na exposição uma vitrine exclusiva. Estão expostos um exemplar de 1879 de As grandes viagens e os grandes viajantes, além, é claro, dos famosos Volta ao Mundo em 80 dias e Vinte mil léguas submarinas.

 

Foto Elcio Silva

 

A pesquisadora Patrícia Tavares Raffaini chega a comentar o impacto dessas histórias, originalmente não infantis, nas crianças daquela época. Analisa em sua tese de doutorado, "Pequenos poemas em prosa: vestígios da leitura ficcional na infância brasileira, nas décadas de 30 e 40": "[O sucesso] pode ser analisado pela capacidade que tinham de sugerir às crianças a autonomia, que tanto desejavam, em uma sociedade patriarcal, onde cabia à criança somente obedecer".

Um personagem que fez muito sucesso no Brasil no século XIX foi o João Felpudo, escrito pelo alemão Heirinch Hoffmann. Com a primeira publicação brasileira datada de 1860, o personagem é o caso da criança-exemplo da má-conduta, segundo a tradutora da edição de 2011 do livro. No artigo Ora, ora, o que ler agora?, a professora e pesquisadora da UFAL Claudia Pimentel continua essa análise. Enfatiza que o ideário do livro “promove a criação de personagens/crianças que beiram à idiotice”, associando sempre o poder do adulto sobre a criança.

 

Foto Elcio Silva

 

Pimentel, no entanto, cita características positivas na publicação, como o absurdo das consequências impostas às traquinagens dos personagens, que, segundo ela, podem gerar o riso do leitor. Considera que "o riso subverte e ameaça a lógica do poder e da dominação". Também destaca os poemas que compõem a obra, ao menos na versão brasileira. "A forma pode ser fruída para além do conteúdo."

 

Anote na agenda

Exposição Livros Infantis Velhos e Esquecidos

Onde: Sala Multiuso, Biblioteca Brasiliana, Universidade de São Paulo (R. da Biblioteca, s/n, Vila Universitária, São Paulo)

Quando: até 30 de outubro, de segunda a sexta-feira, das 8h30 às 18h30

Quanto: Gratuito

Para mais informações, clique aqui.

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