O terceiro dia de Jornada Pedagógica 2024 trouxe para a reflexão duas questões relevantes para se pensar o tema da quinta edição deste encontro: Literatura pra quê? Entre arte e educação. A primeira é: como os clássicos modernos participam da formação dos leitores - e que critérios definem as obras que entram para esse grupo tão seleto. E a segunda é como tratar da saúde mental nas escolas e qual é o papel da literatura nisso?

Como a literatura pode contribuir com a saúde mental de estudantes e professores? Ilustração de O menino com flores no cabelo

Para responder a essas questões, a primeira mesa, cujo tema foi Clássicos Modernos e a Formação do Leitor, recebeu o poeta e professor Jorge Augusto, a educadora e editora de materiais didáticos Nara Lasevicius e o professor e formador de educadores Fernando Oliveira. Eles discutiram o papel dos clássicos modernos e levantaram questões em relação à definição do que é um clássico a partir de um viés antirracista.  A discussão caminhou para como essa relação se dá em sala de aula. A mediação foi da professora e editora Fernanda Sousa, que deu o tom na abertura das discussões: “a gente sempre escuta que precisamos levar os clássicos da literatura para a sala de aula. Muitas vezes falamos dos clássicos como obras que atravessam os tempos, permanecendo para sempre como obras atuais. Mas, que processos históricos sociais e políticos atravessaram essas obras no momento em que foram escritas?”, refletiu.

“ Quando pensamos em literatura moderna, pensamos que esse foi um tempo de escravidão? Será que são os clássicos que estão sendo ‘cancelados’ ou estão eles estão sendo repensados numa ótica de uma educação antirracista?” Fernanda Souza

Já na segunda mesa, o tema da saúde mental foi o fio condutor das discussões. A partir do entendimento de que a escola é um espaço para se trabalhar essas questões de saúde mental, de que forma trazer a literatura como mediadora? Para debater essas questões, a mesa contou com a participação da especialista em comunicação não-violenta e autora, Carolina Nalon, da professora e pesquisadora em educação moral, Luciene Tognetta, e do autor Severino Rodrigues. A mediação foi da educadora e psicanalista Marcia Rubinho.

“É muito bom participar desse debate, pois é a escuta e fala de gente comprometida com a educação e com o bem-estar na escola, de pessoas interessadas pelo universo literário e que buscam caminhos para isso. É claro que não temos as respostas para questões importantes que estão sendo debatidas, mas são luzes que jogamos sobre o assunto”, disse Marcia na abertura.

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Confira os principais momento de cada mesa do terceiro dia da Jornada Pedagógica 2024:

Os clássicos modernos na atualidade

A perspectiva antirracista foi a lente usada para se pensar a respeito dos clássicos modernos. A mesa proporcionou um debate qualificado acerca de obras literárias escritas por autores negros e sobre como um clássico se torna um clássico. Para iniciar a conversa, a mediadora Fernanda Sousa perguntou ao poeta e professor Jorge Augusto como os estudos dele sobre Lima Barreto, romancista brasileiro da Primeira República, contribuíram para repensarmos de forma crítica a ideia de clássico. “Lima Barreto hoje é considerado um clássico, mas nunca foi exatamente um cânone, mesmo tendo sido um antecessor do modernismo negro. Como a obra e o pensamento dele e de outros autores que sempre estiveram marginalizados ajuda a pensar a ideia de clássico moderno?”, questionou Fernanda.

Jorge Augusto,  Nara Lasevicius e Fernando Oliveira debateram o papel dos clássicos na formação dos leitores

Jorge Augusto, que é professor na Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB), reiterou o fato de Lima Barreto nunca ter sido exatamente um clássico e explicou: “a mediação para entrada no cânone tem várias esferas de validação: a acadêmica, a mercadológica, a de ensino e em nenhuma delas Lima Barreto teve validação. Afinal, quem decide o que é um clássico é a crítica, e não a obra”, disse. Ainda, Jorge falou sobre a obra do autor como uma chave de entrada para essa discussão.

 “Os estudos culturais e a política de cotas foram fundamentais para que os estudos sobre Lima Barreto ganhassem um novo fôlego e ele começa a ser mais pesquisado.” Jorge Augusto

Na sequência, Fernanda trouxe a pesquisa da segunda convidada da mesa, Nara Lasevicius, para a discussão. A editora realizou um vasto mapeamento em materiais didáticos do Porgrama Nacional do Livro Didático (PNLD) em 2015, identificando a presença de autores negros nos materiais e as formas pelas quais eles eram apresentados aos alunos. Foram analisadas dez coleções do PNLD. “Ao todo foram encontrados 27 livros com a presença de autores negros e que também apresentavam temática racial nos seus textos. É um dado muito triste, pois é apenas 10% do universo. Temos que pensar que o primeiro contato que as pessoas têm com a literatura é através do material didático. A partir disso é preciso pensar qual a qualidade da abordagem que os alunos estão lendo”, disse ela. 

A educadora também alerta para o fato de que numa visão materialista histórica, a literatura também é transformada em mercadoria. E que cabe aos pesquisadores se questionarem sobre o que é canônico ou não.

 “Infelizmente os autores negros ainda são muito anexos, rodas de notapé. É preciso que isso se torne orgânico”.  Nara Lasevicius

Já o professor Fernando Oliveira falou sobre a pesquisa que desenvolve, que assumiu um caráter historiográfico sobre a institucionalização do ensino de literatura infantil na formação de professores. “Eu fui pra esse caminho por conta de um discurso muito comum de que a literatura infantil sempre é uma experiência moral, pedagógica. Curiosamente, vendo esses documentos, descobri que a disciplina de literatura infantil era obrigatória nos cursos de formação de professores, e com o tempo, ela deixa de existir. Isso diz muito sobre a mediação na leitura de clássicos, por exemplo”, contou.  

Para finalizar, os debatedores falaram sobre as disputas do passado e do presente nos clássicos, trazendo questões sobre a redução dos autores negros ao biografismo, o dia a dia da escola e a importância de os professores se formarem leitores tal como os alunos. Também foi abordado o processo de mediação de leitura e de que forma a literatura deve ser prioridade no processo de formação de cidadãos críticos e conscientes.

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Literatura e saúde mental: discutindo conflitos e abordagens na escola

Marcia Rubinho, Severino Rodrigues, Luciene Tognetta e Carolina Nalon, os convidados da segunda mesa da Jornada Pedagógica 2024 que debateu saúde mental na escola

A segunda mesa do dia teve início com a autora Carolina Nalon trazendo seu livro O Círculo: conversando a gente se entende (Escarlate, 2022)  para discutir a importância de se pensar no ensino de tecnologias de convivência na escola. Em seu trabalho como consultora de comunicação não-violenta nas empresas, Carolina contou que ao final de suas palestras sempre ouvia pessoas dizendo “como eu queria ter aprendido isso na escola”. E resolveu transformar esse feedback em literatura infantil, entendendo que a escola é um lugar crucial para se entender a convivência com o outro. “Sentar em círculo é a melhor tecnologia de convivência que temos. Se as crianças tiverem acesso a essas técnicas, elas podem aprender de fato a estabelecer um processo de escuta que auxilie na saúde mental, que passou a ser um problema da sociedade e não só do indivíduo”, explica.

“Saúde mental se faz em rede. E não tem como produzir essas redes sem saber escutar, sem compreender formas de ouvir o outro. É preciso aprender a fazer uma abordagem restaurativa nas escolas, que não é sobre não punir, mas sim sobre tentar entender e estabelecer um diálogo. Temos que pensar que são crianças aprendendo a conviver em sociedade”. Carolina Nalon

Já a pesquisadora Luciene Tognetta falou sobre políticas públicas de convivência e a ausência delas no dia a dia da escola. Segundo ela, o maior problema do trabalho com a saúde mental no país é que as políticas públicas são partidárias e que o sistema se preocupa mais em oferecer sistemas de proteção e segurança do que em estabelecer a convivência. Ao citar os ataques em escolas e a insegurança com que pais e a comunidade escolar se depararam, a especialista reforçou: “O que acontece é que o Brasil se preocupa mais com a intervenção e com a criminalização do que com a natureza da escola, que é a de formação das crianças e educadores”.

Luciene falou sobre o direito das crianças de aprender a conviver e transformar em palavras aquilo que sentem, sem para isso machucar o outro. “Não temos estrutura para ouvir os professores e quais são as suas maiores demandas. Precisamos articular uma rede para isso e encaminhar esses problemas de saúde mental. A saúde não é um tema da escola, mas na prática, é preciso garantir o bem estar emocional dos alunos”. 

“Não se combate o bullying com pílulas. Os conflitos acontecem o tempo todo, e eles são das escolas. Por isso, é preciso saber acolher e trazer estratégias para que os alunos possam pensar sobre esses assuntos”. Luciene Tognetta

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O último convidado, Severino Rodrigues, abordou o tensionamento sobre arte e educação no que diz respeito à saúde mental. E para iniciar sua fala, trouxe dados alarmantes sobre juventude e saúde mental ao citar duas pesquisas. A primeira, realizada em 2016 realizado pelo Estudo de Riscos Cardiovasculares em Adolescentes (ERICA), mostrou que 30% dos jovens entre 12 e 17 anos apresentavam algum transtorno mental. Já o Datafolha, seis anos depois, em 2022, revelou que oito em cada dez adolescentes no Brasil têm algum problema de saúde mental, principalmente transtornos de ansiedade. “A gente precisa saber como lidar com isso em sala de aula. Não tem como colocar  embaixo do tapete. A melhor maneira é trazer esses temas fraturantes para o debate. Se tivéssemos feito isso em 2016, esse dado não teria aumentado tão significativamente”, alertou ele.

Sobre o papel da literatura nesse processo, o educador atribui a missão de trabalhar emoção e a empatia, gerando reflexões. “ Precisamos, ao invés de olhar com preconceito para essas questões, termos um pré-cuidado. Isso deve acontecer em todas as etapas da sala de aula, desde a seleção de um livro, até com aquilo que escutamos os alunos falarem no ambiente escolar e também com o uso do texto literário em sala de aula”, finalizou ele. 

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