Os ossos de Descartes, de Russell Shorto, é o relato das origens do confronto entre ciência e religião visto por meio da surpreendente jornada dos restos mortais de René Descartes. Pai da filosofia moderna, o francês foi o pensador mais influente e controverso de seu tempo. Suas ideias puseram em xeque a predominância da religião e marcaram a história contemporânea, sendo fundamentais na difusão do racionalismo. Em fevereiro de 1650, Descartes faleceu em Estocolmo. Dezesseis anos mais tarde, sua ossada foi exumada e secretamente repatriada pelo embaixador francês Hugues de Terlon. O devotado oficial católico deu uma estranha importância aos ossos do filósofo perseguido por acusações de ateísmo. Shorto busca compreender por que os restos mortais de Descartes tiveram um destino tão surpreendente ao longo dos 350 anos seguintes. A jornada da ossada do filósofo francês se entrelaça a eventos grandiosos, como o nascimento da ciência, a ascensão da democracia, o conflito entre a fé e a razão, envolvendo as mais diferentes figuras e tramas que protagonizaram esses eventos. A ossada do francês passou pelas mãos dos mais diversos personagens - entre eles Luís XIV, um operador de cassino sueco, além de poetas, dramaturgos, filósofos e físicos que usaram os ossos em estudos científicos. Disputados e reverenciados como relíquias, foram roubados, contrabandeados e vendidos, passando discretamente de mão em mão. Por fim, a jornada leva o leitor para o museu de Ciência de Paris, onde o crânio do filósofo reside até os dias atuais. O autor aponta também para a igreja a poucos quilômetros dali, onde, próximo ao 350º aniversário da morte do pensador, um padre filósofo rezou uma missa para seus ossos. A raiz do pensamento de Descartes era o ceticismo: "O que posso saber com certeza?" Pensadores de toda a Europa abraçaram apaixonadamente o Discurso sobre o método. O ensaio, que foi aplicado a medicina, natureza, política e sociedade, destruiu 2 mil anos de sabedoria já reconhecida e lançou as bases do mundo moderno. Em uma época de fé, o que Descartes estava propondo parecia heresia. No entanto, ele próprio era um bom católico, que foi estimulado a escrever seu livro incendiário pela mais pessoal das razões: havia se dedicado à medicina e ao estudo da natureza, mas, quando a amada filha morreu aos cinco anos, aprofundou suas ideias. Para entender o mundo natural era preciso questionar tudo. Assim, o método científico foi criado e a religião, contestada. Diante do intrigante mistério em torno do contínuo interesse em torno dos restos mortais do grande filósofo, Shorto recompõe uma história complexa, que atravessa toda a modernidade. Ele explora a influência do pensamento do francês e como a incessante busca por sua ossada percorreu a história do mundo como é conhecido hoje.