Acusado de homicídio, o protagonista-narrador de Coivara da memória passa as horas entre pilhas de processos e a redação de suas memórias, enquanto aguarda o julgamento. As razões do crime só aos poucos vão se fazendo entender, pois a rememoração obsessiva vasculha cada canto de suas lembranças. Sem maniqueísmos, e em passagens de raro lirismo, o protagonista constrói o inventário de personagens complexos - às vezes dúbios pelas incertezas da memória - que marcaram profundamente sua infância, adolescência e juventude: o quixotesco tio Burunga, o taciturno negro Garangó, o pai obstinado morto à traição - e renegado pelo sogro -, a mãe que não conheceu, o arrebatador e trágico amor de sua vida: Luciana. Ao revisitar estes e outros tantos, numa linguagem em si mesma ancorada naquele mundo agora feito em cinzas, o narrador se deixa entrever nessas lembranças pontuadas por ódios, injustiças e violências - mas também por gestos de generosidade, retidão e ternura, certo de que só a memória pode torná-lo mais humano. Francisco J. C. Dantas constrói em Coivara da memória, seu livro de estreia, republicado pela Alfaguara, uma obra fascinante, com personagens que assombram pela densidade, e uma narrativa que cativa pela beleza.