Spacca: “Ao desenhar para crianças, tento falar de igual para igual”

02/11/2022

Não importa se é quadrinho ou livro ilustrado. Ao criar seus trabalhos, o cartunista Spacca não direciona a ideia para crianças ou para adultos. “Nunca tentei fazer desenhos exclusivamente para o público infantil. Assim como meu desenho de humor para adulto tem algo de criança, ao desenhar para crianças, procuro nunca subestimar o leitor”, explica ele, em um bate-papo exclusivo com o Blog da Letrinhas. “Tento ‘falar de igual para igual’, por meio do desenho; acho que as crianças são capazes de compreender ironias, brincadeiras, surpresas e coisas fora de lugar”, conta. 

“Nunca tentei fazer desenhos exclusivamente para o público infantil”
(Spacca, ilustrador e cartunista)

E foi assim que ele assinou a ilustração de livros variados, desde o comecinho da Companhia das Letrinhas. O primeiro foi Vice-versa ao contrário, em 1993, uma coleção de contos clássicos recriados por autores como Heloísa Prieto, Otávio Frias Filho e Mônica Rodrigues da Costa. Depois, vieram as parcerias com Luciana Sandroni e as biografias de Mário de Andrade e Machado de Assis para crianças, os quadrinhos, como Santô e o pai da aviação e o Jogo da Parlenda, com Heloísa Prieto, entre muitos outros. Nesta entrevista, Spacca relembra sua trajetória na Letrinhas e conta o que espera do presente e do futuro na literatura infantil brasileira. 

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*Para comemorar os 30 anos da Companhia das Letrinhas (em 2022) e o Mês das Crianças, durante outubro você confere uma série de entrevistas exclusivas com grandes autores e ilustradores brasileiros que fazem parte dessa história, sejam nossos primeiros parceiros, sejam aqueles que ganharam os maiores prêmios de literatura infantil. Acompanhe tudo no Blog da Letrinhas, no site criado especialmente para essa festa e nas nossas redes sociais. 

Spacca

Como começou a sua relação com a Companhia das Letrinhas? Como foi fazer o primeiro livro para a editora e o que mais te marcou nesse processo?

Minha história com a Companhia das Letrinhas está entrelaçada com meu começo de carreira no jornal Folha de S. Paulo, no qual eu fazia as charges e também ilustrava o suplemento infantil, Folhinha. Em 1989, esse suplemento, dirigido então por Monica  Rodrigues da Costa (cujo livro, Lobo Mau, ilustrei pela Melhoramentos), começou a publicar recriações de histórias clássicas, como Alice e Peter Pan, entre outros. Esses contos foram reunidos no livro Vice-versa ao contrário, publicado pela Letrinhas em 1993. O time dos escritores era de peso: Otávio Frias Filho (Peter Pan e Fausto), Nicolau Sevcenko (Bogatires – uma lenda russa), Moacyr Scliar (Quixote), Marcelo Coelho (O Patinho Feio, agora Bonito), Mônica Rodrigues Costa (Alice), Heloísa Prieto (Drácula) e Marcos Rey (Sherlock Holmes). Como no suplemento, o livro também trazia um resumo da história original e informações sobre o autor. Enfim, um livro muito rico, informativo e bastante divertido também. Teve vida longa...

A Companhia das Letrinhas está completando 30 anos em 2022. Nessas três décadas, qual foi a transformação mais importante na literatura infantil, tanto em termos de texto como ilustração e produção gráfica, na sua avaliação, e por quê?

Não sei dizer... Só sei que, desde o começo, as produções da Letrinhas eram extremamente bem cuidadas, com toques artesanais, e parece que, mesmo com a introdução do computador e programas de edição, o cuidado e a atenção continuam os mesmos.

Vice-versa ao contrário

Poderia citar três livros infantis que foram mais importantes ou marcantes para você nesses últimos 30 anos? Dos publicados pela Letrinhas, qual você citaria?

A reunião dos planetas, do astrônomo Marcelo Oliveira (2000); as biografias escritas pela Luciana Sandroni, O Mário que não é de Andrade (2001) e Joaquim e Maria e a estátua de Machado de Assis (2009); e O Jogo da Parlenda, de Heloísa Prieto (2005). Este último, uma coleção de parlendas populares com um leve roteiro interligando os textos, foi muito usado nas escolas em apoio à alfabetização e, além dos mais de 90 mil exemplares vendidos, entrou no programa Leia para uma Criança da Fundação Itaú, com cerca de dois milhões de exemplares. O engraçado é que é um livro despretensioso, mas agradou em cheio e se tornou muito conhecido. 

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Qual acontecimento relacionado ao processo de criação e produção dos livros ou ao feedback e interação com os leitores ficou na sua memória ao longo desse tempo? Poderia contar um pouco qual história mais te marcou?

As interações com leitores em escolas aconteceram mais com meus livros em HQ, que saíram pela Letras e depois pelo selo Quadrinhos na Cia.

Como você vê/avalia a participação da Companhia das Letrinhas no mercado editorial e na própria história da produção literária para a criança? 

Toda vez que eu ia na Companhia – naquele tempo era tudo presencial –, reparava nas outras  produções, obras estrangeiras e nacionais, clássicos e modernos. Lembro da  preocupação das editoras, várias delas jovens mães, em compor um acervo com obras que elas gostariam que o mercado fornecesse para seus próprios filhos. E percebiam as lacunas de obras, algumas pela delicadeza e sensibilidade, outras pela ousadia. Lembro de quando estavam lançando a série Pedro Coelho, da Beatrix Potter. Então, era algo bem diferenciado no mercado. Não tinham cara de produto massificado. Puxavam a qualidade geral para cima.

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Além dos livros, as crianças têm várias fontes de entretenimento, como telas, vídeos, streamings, games. Como acha que a literatura infantil será nos próximos 30 anos? Qual o grande desafio que autores e leitores terão?

Não faço ideia! Esse desafio, na verdade, já fez parte da primeira década, com os games, e da segunda, com a internet cada vez mais presente nas nossas vidas. Não há mais aquele tempo ocioso que só podia ser ocupado por um livro... Com relação ao papel do ilustrador e da apresentação gráfica, que já é bastante grande na literatura infantil desde pelo menos a década de 1970, no que me diz respeito, eu nunca tentei fazer desenhos exclusivamente para o público infantil. Assim como meu desenho de humor para adulto tem algo de criança, ao desenhar para crianças, procuro nunca subestimar o leitor. Tento “falar de igual para igual” por meio do desenho; acho que elas são capazes de compreender ironias, brincadeiras, surpresas e coisas fora de lugar. O humor também é um antídoto contra uma postura às vezes séria demais de uma “missão de educar para o futuro”, que pode ser pesada e inibidora de criatividade e liberdade. Não quero dar todas as respostas, até porque não as tenho... Seja em qual plataforma for, nos meios eletrônicos ou num livro impresso, uma imagem intrigante pode, por alguns segundos, captar a atenção do leitor e convidá-lo a imaginar.

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